RESPEITE AS CRIANÇAS!

RESPEITE AS CRIANÇAS!
AS CRIANÇAS NÃO SÃO LIXO.




NÚMERO DE FOTOS E IMAGENS DESTE BLOG.

O CLUBE DE XADREZ SANTO ANTONIO DE JESUS, BAHIA (CXSAJBA) AGRADECE PELA VISITA, NESTE BLOG.
O NÚMERO DE FOTOS E IMAGENS, DESTE BLOG: 305.

VISITANTE DE NÚMERO:

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

TEXTO 48 - MACHADO DE ASSIS E O JOGO DE XADREZ.


FOTO 44 - MACHADO DE ASSIS AOS 24 ANOS.
Machado de Assis e o jogo de xadrez.

Extraído de texto homônimo publicado em
Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol. 13, 1952.

"Meu bom xadrez, meu querido xadrez..." "Tudo pode ser, contanto que me salvem o xadrez." Machado de Assis. A Semana. 12/1/1896 Vol. 3, pag. 84.

"... diria à bela Miranda que jogasse comigo o xadrez, um jogo delicioso, por Deus!" Machado de Assis. A Semana. 25/2/1894 Vol. 2, pag. 30.

"Enfim, uma era nova parecia surgir para o xadrez nacional, quase moribundo, após os dias brilhantes de Caldas Vianna, Artur Napoleão, Machado de Assis e outros." Eurico Penteado. Xadrez Elementar. São Paulo,

1927.

Machado de Assis foi um apaixonado do jogo de xadrez. Seu interesse por este divertimento levou-o a ocupar posição destacada nos círculos enxadrísticos do tempo do Império. Mantinha correspondência com as seções especializadas dos periódicos da época; compunha problemas e enigmas, e, indo mais além, participou do primeiro torneio de xadrez efetuado no Brasil.
É provável que sua iniciação no jogo tenha sido fruto da influência de Artur Napoleão, o grande pianista português, que enfrentara em Nova York, aos dezesseis anos de idade, em partida de exibição, o famoso campeão do mundo, Paul Charles Morphy. O virtuose luso radicara-se no Rio de Janeiro, e, de volta de uma de suas viagens à Europa, acompanhara ao Brasil Carolina Xavier de Novais, futura esposa de Machado, de cujo casamento viria a ser uma das testemunhas.

Coincide, de fato, essa fase enxadrística do romancista com a presença do grande pianista na Corte. O primeiro torneio de xadrez, realizado em 1880, com a participação dos seis mais destacados amadores residentes no Rio, teve como local da disputa a residência de Artur Napoleão, na Rua Marquês de Abrantes.

Em 1868 já freqüentava Machado de Assis o Clube Fluminense, com a finalidade de jogar xadrez, conforme confessa em uma de suas crônicas reunidas na coleção de A Semana. Anos mais tarde praticava no Grêmio de Xadrez, que funcionava em cima do Clube Politécnico, na rua da Constituição, nº 47. Nesse salão realizou-se o match contra Artur Napoleão, que lhe deu partido do cavalo da dama e, ainda assim, venceu a disputa por 7 a 2.

O interesse de Machado de Assis pelo jogo prolongou-se por muitos anos, conforme revelação constante da correspondência com Joaquim Nabuco que, em 1883, lhe enviava de Londres retalhos de jornais com transcrições de partidas, atendendo ao pedido que lhe fora feito.

Em 4 de janeiro de 1882 fundava-se no Rio o Clube Beethoven. Sanches de Frias, em sua biografia de Artur Napoleão, declara, erradamente, que se tratava de clube de jogo, mascarado sob a proteção do nome do compositor alemão.

Examinando alguns documentos do Clube, existentes na Biblioteca Nacional, chegamos à conclusão de que se trata de exagero do biógrafo. Na verdade, a seção de xadrez não foi instalada de início. Na descrição do Clube, constante do Almanaque Laemmert de 1884, não há citação de dependências especiais para a prática daquele jogo; nos anos seguintes é que se indica a existência de uma "sala de jogos de xadrez". A lista publicada dos sócios fundadores, bem como a de sua primeira diretoria, não inclui os enxadristas conhecidos na época, que só ingressaram meses depois, quando foram admitidos Artur Napoleão, Caldas Vianna, Charles

Pradez, Machado de Assis e outros. É possível que, daí por diante, tenham desenvolvido a seção de jogos. O próprio romancista, que passou a exercer na diretoria funções de bibliotecário, ao descrever o Clube Beethoven não mencionou a palavra "xadrez". Esse Clube (Beethoven) era uma sociedade restrita, que fazia os seus saraus íntimos em uma casa do Catete, nada se sabendo cá fora senão o raro que os jornais noticiavam.

Pouco a pouco se foi desenvolvendo, até que um dia mudou de sede, e foi para a Glória. Aquilo que hoje se chama profanamente "Pensão Beethoven", era a casa do Clube. O salão do fundo, tão vasto como o da frente, servia aos concertos, e enchia-se de uma porção de homens de vária nação, vária língua, vário emprego, para ouvir as peças do grande mestre que dava nome ao Clube, e as de tantos outros, que formam com ele a galeria da arte clássica.

"O nome do Clube cresceu, entrou pelos ouvidos do público; este, naturalmente curioso, quis saber o que se passava lá dentro. Mas, não havendo público sem senhoras, e não podendo as senhoras penetrar naquele templo, que o não permitiam as disciplinas deste, resolveu o Clube dar alguns concertos especiais no Cassino.

.............................................................................................................

....

"Mas tudo acaba, e o Clube Beethoven, como outras instituições idênticas, acabou. A decadência e a dissolução puseram termo aos longos dias de delícias".

Machado de Assis. A Semana. Vol. 3, 5 de julho de1896.

Nos torneios efetuados pelo Clube, a partir de 1882, não há referências à sua participação. Teria começado a declinar o seu entusiasmo pelo xadrez? As referências ao jogo, colhidas em suas obras, vão rareando desse ano para a frente. No Clube dos Diários, onde se jogava muito, não consta a participação de Machado de Assis, ao contrário de Caldas Vianna e de Artur Napoleão, cujos nomes constam da relação de associados.

A qualidade do jogo de Machado, examinada através do estudo de suas partidas, e a facilidade com que solucionava os problemas publicados na imprensa dão-nos uma idéia lisonjeira de sua força como jogador.

Enfrentando o mestre Artur Napoleão, ainda que levando partido do cavalo da dama, conseguiu ganhar-lhe duas partidas do match. O pianista português era aficionado fortíssimo. Dividiu, durante muito tempo, com João Caldas Vianna, filho do Visconde de Pirapetinga, o reinado do xadrez entre nós. Publicou, em 1898, uma coleção de problemas, seus e de outros, sob o título de Caissana Brasileira, redigiu várias seções especializadas em revistas e no Jornal do Commercio e possuía uma fabulosa biblioteca de livros técnicos, em vários idiomas, incluindo obras raríssimas hoje disputadas a peso de ouro. Para ajudar as pesquisas dos amadores publicou, em anexo ao seu livro, o catálogo minucioso dessa coleção. Já idoso, continuava a compor problemas, muitos dos quais podem ser apreciados em várias edições do Almanaque Garnier. O Traité Manuel des Échecs, de Henri Delaire, em sua edição de 1930, ainda transcreve uma de suas melhores composições.

Outro grande enxadrista que Machado de Assis enfrentou, de igual para igual, foi João Caldas Vianna. Este pode ser considerado o maior jogador surgido no Brasil até 1930. Uma partida sua, contra A. Silvestre, jogada no Clube dos Diários, figura obrigatoriamente nos mais importantes tratados de xadrez publicados em todo o mundo. Até hoje é conhecida e praticada a "Defesa Rio de Janeiro", de sua invenção, na "Partida Espanhola"

(Rui Lopez), variante favorita de Emmanuel Lasker, campeão mundial durante 27 anos seguidos.

Vê-se que Machado de Assis, no que toca aos parceiros, estava em boa companhia. A primeira parte de nossa pesquisa estendeu-se aos jornais e revistas em que figura o nome de Machado de Assis como enxadrista.

Cronologicamente, começamos pela Ilustração Brasileira – ponto de partida de nossas informações. A seção especializada, redigida por Artur Napoleão, surgiu no nº 15, de 1 de fevereiro de 1877, e a primeira citação do nome de Machado vem no nº 16, de 15 do mesmo mês. Em abril de 1878 deixou de sair a Ilustração Brasileira.

Artur Napoleão, associado a Leopoldo Miguez, também grande amador do xadrez, passa a editar, em 1879, a Revista Musical e de Belas-Artes. Cedendo ao impulso natural de sua paixão pelo jogo redige, a partir do nº 18, de 3 de maio de 1879, a seção competente, na qual Machado de Assis voltará a ser citado desde o nº 36, de 6 de setembro de 1879, em diante.

Com o desaparecimento dessa revista, em 1880, decorreram alguns anos sem menção de noticiário especializado regular na imprensa carioca. Em 1886, o Jornal do Commercio começou a publicar, aos domingos, uma coluna sob a responsabilidade do obstinado Artur Napoleão. Não conseguimos, infelizmente, obter qualquer referência às atividades enxadrísticas de Machado de Assis nessa fase. Num retrospecto dos torneios de xadrez, publicado pelo referido jornal em sua edição de 3 de janeiro de 1886, não há menção à participação de Machado entre os disputantes. Os solucionistas dos problemas são, via de regra, os mesmos que enviavam correspondência para as seções da Ilustração Brasileira e da Revista Musical e de Belas-Artes; estranhamente, não figura entre eles o nome de Machado de Assis. Estaria desinteressado pelo jogo nessa ocasião, ou seu nome viria disfarçado sob algum pseudônimo, dos vários remetidos semanalmente para o jornal?

De 1892 a 1896 saíram as crônicas de A Semana e, em 1898, Artur Napoleão publicou a Caissana Brasileira, onde se encontra, sob o nº 17, na página 11, um problema de autoria de Machado de Assis, que já havia figurado na Ilustração Brasileira de 15 de junho de 1877.

Esta constitui, cronologicamente, a última referência enxadrística que encontramos sobre o romancista, publicada quando este ainda era vivo.

Na segunda parte transcrevemos as passagens dos escritos de Machado de Assis com referências expressas ao jogo de xadrez. Data, a primeira, de 1864, o que vem corroborar a suposição de que Artur Napoleão tenha sido o professor do romancista, e a última, de 1896. Colhemos os dados em todas as suas obras, inclusive nos volumes publicados ultimamente por R. Magalhães Júnior, e numa parte da correspondência publicada. Ainda que não se possa chamar de abundante o material colhido, nota-se, contudo, um apreciável halo de simpatia pelo jogo e seus praticantes.


I

DOCUMENTAÇÃO SOBRE O JOGADOR E O PROBLEMISTA.

Ilustração Brasileira. Ed. C. e H. Fleiuss, no I, 1 de julho de 1876.

A seção de xadrez – primeira publicada no Brasil – sob a responsabilidade de Artur Napoleão, teve início no nº 15, de 1 de fevereiro de 1877. Os números em que aparece o nome de Machado de Assis são os seguintes:

Nº 16 – de 15/2/1877, nº 17 – de 1/3/1877, nº 18 – de 15/3/1877, nº 19 – de 1/4/1877, nº 21 – de 1/5/1877, nº 22 – de 15/5/1877, nº 24 – de 15/6/1877, nº 25, de 1/7/1877, nº 28 – de 15/8/1877, nº 29 – de 1/9/1877, nº 30 – de 15/9/1877, nº 37 – de 1/1/1878,nº 40 – de 1/4/1878.

Revista Musical e de Belas-Artes
Ed. Artur Napoleão e Miguez
A seção de xadrez – de autoria de Artur Napoleão – começou a publicar-se em seu no 18, de 3/5/1879. Machado de Assis é citado a partir do nº 36.
Nº 36 – de 6/9/1879, nº 37 – de 13/9/1879, nº 40 – de 4/10/1879, nº 41 – de 11/10/1879, nº 43 – de 25/10/1879, nº 44 – de 1/11/1879, nº 45 – de 8/11/1879, nº 2 – de 17/1/1880, nº 3 – de 31/1/1880, nº 4 – de 14/2/1880, nº 6 – de 13/3/1880, nº 7 – de 27/3/1880, nº 8 – de 10/4/1880, nº 10 – de 8/5/1880.

Caissana Brasileira – obra enxadrística publicada em 1898 por Artur Napoleão.
Na introdução, esclarece o autor:
"Em 1880 organizei um pequeno torneio em minha casa, em que tomaram parte os seguintes amadores, além de minha própria pessoa: Dr. Caldas Vianna, C. Pradez, Dr. Machado de Assis, Joaquim Navarro e Dr. J. Palhares."

(fls. III)
"Assim como Alfred de Musset, também o nosso Machado de Assis compôs um bonito 2 lances" – Trata-se de um problema de xadrez da autoria de Machado – que figura a fls. 11, sob o nº 17, na obra publicada por Artur Napoleão. É o mesmo que já havia sido apresentado pela Ilustração Brasileira, em seu número de 15/6 /1877."

(fl. IX)


II

REFERÊNCIAS AO JOGO DE XADREZ NA OBRA DE MACHADO DE ASSIS.

1864
Questão de vaidade. Conto, in Histórias Românticas. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 30 – "Era, com efeito, um grande jogador de xadrez o tio Silvério. Por desgraça, Eduardo não o era menos, de modo que mal se anunciou a visita deste, correu Silvério para a porta com os braços abertos."
Pg. 33 – "E contudo este moço joga bem o xadrez!
A palavra "xadrez" fez estremecer Eduardo. Era o sinal de um perigo iminente. Todavia, como fino cavalheiro que era, ofereceu o braço à Sara, e seguiu acompanhado de todos para a mesa do jantar."
Pg. 35 – "Eduardo viu-se obrigado a aceitar a partida de xadrez. Para a filha de Almeida era isto uma grande felicidade."
Pg. 36 – "Quando Eduardo declarou aceitar a partida de xadrez a moça sentiu que o coração lhe palpitava com mais força. Ela própria foi dispor o necessário para o jogo, não sem levantar muitas vezes os olhos para Eduardo, cujo olhar, pregado nela, exercia uma fascinação."
Pg. 36 – "O jogo deu-se por terminado à meia-noite. Apenas tinham jogado duas partidas, em que Silvério ganhou sempre. Isto por que ele não estava apaixonado, e Eduardo, se não o estava, acreditava estar."
Pg. 50 – "Mandou entrar e daí a pouco o valente jogador de xadrez aparecia à porta, com ar risonho e gesto afetuoso."

1866
ASTÚCIAS DE MARIDO. Conto, in Contos Recolhidos, publicados por R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 138 – "O pai de Clarinha era doido pelo xadrez e não via salvação fora do partido conservador; Valentim fustigava os liberais e acompanhava o velho na estratégia do rei e dos elefantes."
Pg. 139 – "Deste modo, concordando em tudo, nas opiniões como nas paixões, – apesar das pesadas obrigações de jogar o xadrez e ouvir a velha e as histórias do outro tempo, – Valentim conseguiu na casa de Clarinha uma posição proeminente."

1867
HISTÓRIA DE UMA LÁGRIMA. Conto, in Contos sem Data – publicados por R. Magalhães Júnior. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 90 – "O major jogava o xadrez com Valadares; o poeta recitava versos; Elisa enchia tudo com a sua graça e as suas palavras."

1872
RUI DE LEÃO. Conto, in Contos Recolhidos – publicados por R. Magalhães Júnior. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 103 – "Depois de estudar tudo e tudo ver; depois de passear pelas várias partes do mundo, sem encontrar novidade que lhe divertisse o ânimo; depois de ser assíduo espectador de tudo quanto pudesse despertar a curiosidade de um homem enfadado como, por exemplo, o homem de botas de cortiça, o boneco jogador de xadrez e outros, determinou Rui de Leão voltar ao Brasil nos princípios deste século, ali pelos anos de mil oitocentos e tantos, estando ainda cá o rei."

QUAL DOS DOIS. Conto, in Histórias Românticas. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 295 – "Cálculos inúteis, dirá o leitor de boa fé, os desta moça provinciana, que fazia do amor um jogo de xadrez."


1875
ANTES QUE CASES. Conto, in Contos Esparsos – publicados por R. Magalhães Júnior. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 104 – "A vida não é um jogo de xadrez."

QUEM BOA CAMA FAZ. Conto, in Contos Esparsos – publicados por R. Magalhães Júnior, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 189 – "Ernesto tornou-se uma necessidade da casa. Ele sabia jogar todos os jogos, desde o xadrez até as prendas; discutia sobre literatura, andava em dia com as modas, recitava ao piano, conhecia receitas de doces; era uma enciclopédia doméstica e viva."

1877
CRÔNICAS. In Ilustração Brasileira, de 1/6/1877. Ed. Jackson, vol. III, Rio de Janeiro, 1938.
Pgs. 227-228 – "Não a via; mas vi o general no dia seguinte, no sarau do Clube Politécnico, que esteve animado e concorrido como poucos. Valsou-se muito, conversou-se, comeram-se bolinhos... enquanto no andar de cima o Grêmio de Xadrez, instituição recente, celebrava a sua reunião das sextas-feiras.
Que barulho em baixo! E que silêncio em cima! Em cima os adversários, dois a dois, davam e recebiam pancada, certamente e até sorrindo, mas sempre silenciosos.
Conta-se que no Café da Regência, em Paris, onde se joga o xadrez, dois adversários tinham encetado uma partida, quando entrou um freguês às 9 horas e meia e falou a um dos jogadores:
– Como tens passado, Janjão?
O jogador não lhe respondeu; mas, à meia noite, acabada a partida, ergueu a cabeça e disse placidamente:
– Assim, assim. E tu?
O outro estava, desde as onze, entre os lençóis."

1878
CRÔNICAS. In NOTAS SEMANAIS, O Cruzeiro, de 4/8/1878. Ed. Jackson, vol. V, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 113 – "Há ânimos generosos que presumem sermos chegados a um tempo em que a política é obra científica e nada mais, eliminando assim as paixões e os interesses, como quem exclui dois peões do tabuleiro do xadrez."

Iaiá Garcia. Romance. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 137 – "Tentou ensinar-lhe o xadrez, mas desanimou no fim de cinco lições.
Ah! mas nem todos têm o seu talento! exclamou triunfante o pai de Estela.
Luiz Garcia jogava o xadrez. Era o recreio usual entre ele e Jorge; outras vezes saíam a passeio até curta

distância."
Pg. 188 – "No fundo do jardim estava Luiz Garcia, com o tabuleiro do xadrez: acabava de dar uma lição à filha, que lha pedira desde antes do jantar. Iaiá levou até lá o filho de Valéria. Pela primeira vez sentou-se ao pé dos dois para vê-los jogar; fincou os cotovelos na mesa e encostou o queixo nas mãos; queria aprender, dizia ela, em três semanas.
– Três semanas! repetiu o pai a sorrir e a olhar para Jorge.
Das qualidades necessárias ao xadrez, Iaiá possuía as duas essenciais: vista pronta e paciência beneditina, qualidades preciosas na vida, que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, umas ganhas, outras perdidas, outras nulas."
Pg. 197 – "Iaiá preparou o xadrez, no gabinete contíguo à sala; Jorge sentou-se pacientemente diante da adversária, retificou a posição de duas peças, excluiu as que lhe dava de partido e adiantou o primeiro peão."
"Iaiá baixou os olhos ao tabuleiro, cavalgou a torre com o bispo, como distraída, e em voz ainda mais baixa do que lhe falara, perguntou..."
Pg. 198 – "Inclinou-se sobre o tabuleiro e começou a mover as peças, sozinho, sem plano, maquinalmente."
Pg. 199 – "Vieram luzes; começaram a jogar. Entre eles o xadrez não podia oferecer interesse, mas dado que pudesse, não seria naquela ocasião. Um e outro estavam distraídos e preocupados. A primeira partida foi concluída, em pouco tempo, quase sem cálculo."
Pg. 201 – "A segunda partida foi mais animada, mas só por parte de Iaiá. A moça ria às vezes, mas a maior parte do tempo fazia convergir toda a sua atenção para o jogo."
Pg. 202 – "O jogo cessou no momento em que entrou Luiz Garcia.
– Perdi duas partidas, pai, disse a moça; mas por um triz não ganhei a segunda."
Pg. 204 – "Ele pertencia ao pai ou à filha – muitas vezes aos dois. Iaiá atirou-se ao xadrez com um ardor incompreensível, e dizendo-lhe Jorge que era preciso ler alguns tratados, ela pediu-lhe um, e porque ele só os tivesse em inglês, Iaiá pediu que lhe ensinasse inglês.
"Estela assistia algumas vezes às lições do idioma e do jogo – duas coisas que lhe pareciam incompatíveis com o espírito da enteada."

1882
Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Correspondência publicada por Graça Aranha. São Paulo, 1923.
Carta de Machado de Assis. Rio de Janeiro, 29 de maio de 1882.
Pg. 105 – "Agradeço muito os oferecimentos que me faz, e noto-os para ocasião oportuna, se a houver. Quanto aos retalhos de jornais, quando os achar merecedores da trasmissão, aceito-os com muito prazer." (A natureza desses "retalhos" está explicada na carta seguinte.)

1883
Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Correspondência publicada por Graça Aranha. São Paulo, 1923.
Carta de Machado de Assis. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1883.
Pg. 106 – "Antes de falar do livro, agradeço muito as suas lembranças de amizade, que de quando em quando recebo. A última, um retalho de jornal, acerca da partida de xadrez, foi-me mandada à casa pelo Hilário;..."
A CARTOMANTE in Várias Histórias. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 7 – "Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; ela mal, – Ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal."

1892
A Semana. Crônica de 24 de abril de 1892. Ed. Jackson, 1º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pgs. 13 e 14 – "Jogavam xadrez e dormiam no intervalo das jogadas. Despertavam-se um ao outro desta maneira:

"Caro major!" – "Pronto, comendador!"

1893
A Semana. Crônica de 6 de agosto de 1893. Ed. Jackson, 1º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 356 – "Tomava chá no Clube Fluminense, no momento em que ia fazer o mesmo, depois de uma partida de xadrez com o professor Palhares.
Pobre Palhares! Pobre Clube Fluminense!"

1894
A Semana. Crônica de 25 de fevereiro de 1894. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 30 – "Comporia algumas peças novas; diria à bela Miranda que jogasse comigo o xadrez, um jogo delicioso, por Deus! Imagem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia, tudo isso sem rodas que andem, nem urnas que falem!"

A Semana. Crônica de 19 de agosto de 1894. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 175 – "Maomé, que tinha algumas partes de grande homem, apesar de ser o próprio cão tinhoso, consentiu o uso do xadrez aos seus árabes, e fez muito bem; é um jogo que não admite querelas, e, apesar de ter cavalos, não se dá ao aperfeiçoamento da raça cavalar, como os vários derbys deste mundo."

1895
A Semana. Crônica de 24 de fevereiro de 1895. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 320 – "Vi este Sarmiento, quando ele aqui esteve de passagem para Buenos Aires, uma noite, às dez horas e meia, no antigo Clube Fluminense, onde se hospedava. O Clube era na casa da atual Secretaria da Justiça e do Interior. Sarmiento tomava chá sozinho, na grande sala, porque nesses tempos pré-históricos (1868) tomava-se chá no Clube, entre nove e dez horas."

A Semana. Crônica de 5 de maio de 1895. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 373 – "Uma noite (vá esta velha anedota), estava um amigo meu no Clube Fluminense, jogando o xadrez, entre nove e dez horas. Era um mocinho, com uma ponta de bigode, e outra de constipação. Tinha o plano de acabar a partida, e ir deitar-se."

1896
A Semana. Crônica de 12 de janeiro de 1896. Ed. Jackson, 3º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pgs. 84 e seguintes – "Uma empresa lembrou-se de substituir no Jardim Zoológico o jogo dos animais pelo dos divertimentos. Não foi mal imaginado; cada bilhete de entrada leva a indicação de um jogo lícito, desde o bilhar, que é o primeiro da lista, até o... Aqui vem a causa da minha comoção. Que pensais, vós que não lestes o relatório da polícia, que jogo pensais que é o último, o 25º da lista? É o xadrez. Que vai fazer nessa galeria o grave xadrez? É lícito, não há dúvida, nem há coisa mais lícita que ele; mas o gamão também o é, e não vejo lá o gamão."

"Quis enganar-me. Quis supor que era um aviso aquela palavra posta no fim da pista, como se dissesse: após tantos divertimentos, tudo acaba no xadrez da polícia. Mas certamente a empresa não levaria a paixão do trocadilho até o ponto de espantar os fregueses, conquanto esta paixão seja das mais violentas que podem afligir um homem. Também não creio que fosse ironia pura, um modo de dizer que não há perigo; seria descrer de uma coisa certa."

"Meu bom xadrez, meu querido xadrez, tu que és o jogo dos silenciosos, como te podes dar naquele tumulto de freqüentadores? Quero crer que ninguém te joga, nem será possível fazê-lo. Basta saber que há uma hora certa, às seis da tarde, em que sai de dentro de um tubo de ferro uma bandeira com o nome de um jogo. Como podes correr a ver o nome da bandeira, se tens de defender o teu rei – branco ou preto, – ou atacar o contrário, preto ou branco?"

"Creio, mas o que não creio, é que dois verdadeiros jogadores de xadrez, aplicados ao ataque e à defesa, possam consentir em deixar tão nobre ação para ir ao pau de sebo ou qualquer outra recreação gratuita."

"Tudo pode ser, contanto que me salvem o xadrez. A polícia, ou para não confundir este jogo com o nome vulgar da sua prisão, ou porque efetivamente queira restituir cada um ao seu ofício, mandou que os bilhetes não tragam nenhum nome de divertimento."


CRONOLOGIA ENXADRÍSTICA DE
MACHADO DE ASSIS.

1862/1865 – Iniciação no jogo – provavelmente contagiado pelo entusiasmo de seu amigo Artur Napoleão (dos Santos) que disputara uma partida, em Nova York, contra o famoso campeão mundial Paul Charles Morphy. (transcrita na obra de P. A. Sargeant – Morphy’s Games of Chess)

1866/1876 – Partidas avulsas no Clube Fluminense.

1877/1879 – Fundação do Grêmio de Xadrez, no Clube Politécnico (rua da Constituição, 47), onde havia reunião todas as sextas-feiras. Match contra Artur Napoleão, levando partido de um cavalo (CD). Perdeu por 7 a 2.

Grande atividade como solucionador de problemas publicados na imprensa da época. Compõe um problema e um enigma. (Ilustração Brasileira, ambos)

1880 – Participação no 1º Torneio de Xadrez efetuado no Brasil, obtendo a terceira colocação, entre seis disputantes, com 11 pontos. A disputa foi realizada na residência de Artur Napoleão, à Rua Marquês de Abrantes.

1882/1890 – Jogos no Clube Beethoven, na Rua do Catete e, depois, no Cais da Glória, 62, para onde se transferiram os enxadristas e onde se realizaram vários torneios nos quais, contudo, o romancista não tomou parte.

1898 – Última referência às atividades enxadrísticas de Machado de Assis – em vida – com a publicação de seu problema antigo na Caissana Brasileira, de Artur Napoleão.


Herculano Gomes Mathias.

Extraído do livro "Rua Cosme Velho, 18 - Relato de Restauro do Mobiliário de Machado de Assis". Com autorização do autor.


PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIAS:
http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=304&sid=112
http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=4&UserActiveTemplate=machadodeassis

TEXTO 47 - CANDIDATO: PABLYTO ROBERT (ES).

Esse ano tem eleição na CBX e algumas movimentações políticas começam a ganhar força pelo país. A Revista XADREZ! entrevista os candidatos, o primeiro é o presidente da FESX. "Vejo um grande progresso ao longo desses anos. A cada ano que passa o xadrez cresce mais, tanto no ES como no Brasil como um todo. Basta olharmos quantos MIs haviam no Brasil 10 anos atrás e quantos surgiram nos últimos anos. Que eu tenho de lembrança, poderia citar, sem nenhuma consulta, pelo menos 10." Veja a entrevista completa!



FOTO: 43.

1-Gostaria que você se apresentasse e nos dissesse, Como surgiu seu interesse pelo xadrez?

Bem, meu nome é Pablyto Robert Baiôco Ribeiro, nasci em Manaus/AM, no dia 26/08/1978. Sou casado desde 2005 e sou advogado, atuante desde a formatura (para falar a verdade, desde antes mesmo da formatura, uma vez que trabalho na mesma empresa onde estagiei enquanto estudava, sendo contratado logo que expirou o contrato de estágio).

Antes de qualquer coisa, acho necessário explanar a respeito da minha naturalidade amazonense. Meu pai trabalhava na Polícia Federal e, na época, toda a família precisou se mudar para Manaus. Eu nasci por lá, mas com menos de 4 meses de idade já estava de volta com toda a família ao Espírito Santo, onde sempre vivi. No entanto, já fiz algumas visitas à terra natal e, quando puder, farei outras. Posso dizer que tenho orgulho de ter dois Estados no coração.

Bem, quanto ao interesse pelo xadrez, começou quando eu estava na 7ª Série e vi um colega meu jogando. Eu procurei uma enciclopédia (não a de xadrez) e pesquisei até encontrar as regras do xadrez. Eu arrumei um joguinho onde as peças eram recortadas, ensinei as regras a um primo e comecei a dar os primeiros passos no tabuleiro. Desde então, não parei mais. Isto foi em 1991.

2-Qual a análise que você faz do xadrez atual, a nível nacional e no estado do Espírito Santo?

Vejo um grande progresso ao longo desses anos. A cada ano que passa o xadrez cresce mais, tanto no ES como no Brasil como um todo. Basta olharmos quantos MIs haviam no Brasil 10 anos atrás e quantos surgiram nos últimos anos. Que eu tenho de lembrança, poderia citar, sem nenhuma consulta, pelo menos 10. Isto sem contar que um deles já até se tornou GM (Fier). Em terras capixabas, tínhamos, 10 anos atrás, menos de 15 jogadores com rating FIDE, hoje temos cerca de 50, além de um MI, formado aqui (Jorge Bittencourt).

Pelas dimensões do Brasil e pelo número de habitantes, ainda somos muito pequenos no nível mundial, em termos de xadrez. Contudo, acredito que, pelo progresso da última década, temos o potencial necessário para assumir um posto mais honroso no planeta.

3-Você pretende se candidatar a presidência da CBX? Em caso afirmativo, o que o motiva?

Pretendo não, já me candidatei. O que me motiva é o mesmo motivador que me fez ficar à frente da FESX por 3 mandatos: o amor ao esporte.

4-Que avaliação você faz de seu comando à frente da FESX até o momento?

Posso dizer que foi um bom período. Aliás, talvez eu não pudesse fazer análise alguma, mas as pessoas vêm a mim e elogiam o trabalho realizado. Não é para menos, a FESX realizava de 12 a 15 torneios por ano, tinha um caixa vazio e dívida de condomínio para pagar, além de material escasso. No primeiro mandato limpamos a dívida, instituímos premiação em dinheiro nos principais eventos do calendário e conseguimos uma melhora no caixa. De 2005 para cá realizamos cerca de 50 a 60 torneios por ano, muitos deles com prêmios em dinheiro, compramos um lap top para a FESX, temos um saldo excelente na conta corrente para emergências, passamos de 95 jogadores rankeados para aproximadamente 1000, temos 15 DGT XL, 45 relógios analógicos e 70 jogos de peças oficiais. Não tem como dizer que o trabalho não foi bom. Pode-se dizer que poderia ter sido melhor, mas todos os dirigentes da FESX têm ocupações profissionais próprias, família, etc. Temos que nos dividir, sacrificar tempo de lazer e descanso, para doar nosso serviço ao esporte. Não somos uma diretoria profissionalizada, não recebemos para isto. Aliás, se teve algo no Estatuto que fizemos questão de manter, foi o fato de que é proibida a remuneração para os cargos da Federação. E isto funciona, pois o que se faz com amor, faz-se melhor!

5-Quais foram suas principais dificuldades para dirigir a FESX?

Como disse, inicialmente havia um déficit de caixa e uma dívida, além da ausência de material suficiente. Mas, acho que a maior dificuldade foi o fato de algumas pessoas virarem as costas para mim, pelo fato de eu ter me tornado presidente. É difícil explicar, mas eram pessoas que tinham um bom convívio e que tinham por prazer criticar a Federação, nas pessoas que a dirigiam com o mesmo amor com que hoje eu dirijo. Aí, ao me verem lá, para não terem que voltar atrás em seus conceitos, preferiram perder um amigo, virando-me as costas e passando a me atacar. Curioso é que são poucas, umas 2 ou 3 pessoas apenas. Tudo o que elas criticavam, eu implementei. Ou seja, o motivo da crítica não era verdadeiro, pois cessou e a "birra" continuou. Pela inexperiência, à época, eu senti muito esse "golpe". Com o tempo, aprendi que em todo o lugar existe a inveja e pessoas negativas. Se você se propõe a neutralizar o negativismo dessas pessoas, elas se voltam contra você.

6-Qual é a estrutura da FESX hoje?

A estrutura da FESX hoje é bem parecida com a da CBX. Não temos uma sede ativa, logo não temos geração de despesas fixas. Temos o material descrito na resposta à pergunta de nº 4 e administramos tudo por planilhas. Temos reuniões de diretoria com certa freqüência, desde o ano passado e os assuntos que não podem esperar por uma nova reunião ou que não precisam esperar, nós debatemos por um grupo de e-mail, onde estão cadastrados apenas os diretores da FESX. Conversamos muito por telefone também (isto engorda bastante a nossa conta de celular, mas é parte da nossa doação pessoal).

7-Que empresas apóiam o xadrez no estado do ES?

Não há empresas que apoiam, como tradição, o xadrez. Há uma ou outra iniciativa, em um ou outro tempo, bem isolada. Posso citar que a ARCELOR já patrocinou dois eventos, um em 2001 (quando nem era ARCELOR ainda) e outro em 2006. Em Santa Maria de Jetibá, a partir deste ano, o SICOOB entrou como o principal patrocinador do xadrez. Contudo, ainda é prematuro para se dizer que é uma empresa que apoia o xadrez, pois não sabemos quanto tempo isto irá durar. Tem apenas 2 meses de apoio e, mesmo assim, restringe-se aos limites do citado Município. No campo de patrocínio a atleta, tem-se a Fundação Jônice Tristão, que apoia o MI Bittencourt. Esta tem uma longa história de apoio, mas a nível pessoal, não federativo.

O apoio constante mesmo ao xadrez vem do Município de Vitória, do Município de Santa Maria de Jetibá e do Estado do Espírito Santo, todos através de suas respectivas secretarias de esporte.

8-Qual a importância do xadrez escolar?

Está aí a chave do crescimento mencionado no item 2. Essa é a importância do Xadrez Escolar! Se temos milhões de crianças e adolescentes aprendendo xadrez nas escolas, as chances de sairem novos MFs, MIs e GMs (tanto no masculino como no feminino) é muito maior do que sem esses milhões. É uma verificação fácil. Pegue-se um País menor, com bem menos habitantes, mas que tem cultura enxadrística forte: resultado, muito mais atletas de ponta! É o que nos acontece no Futebol, por exemplo. Qualquer criança brinca de bola na rua, nos campinhos e quadras e daí surgem Ronaldinhos. Se houvesse essa cultura também em relação ao xadrez, quantos Mequinhos, Vescovis, Leitões, Milos, Darcys, Sunyês, Matsuuras, Krikors, etc não teríamos?

9-Qual o apoio que o xadrez escolar recebe da federação? Há algum órgão/prefeitura no estado que apóie?

Essa tem sido a nossa grande luta, a qual estamos começando a vencer neste fim de terceiro mandato. Sempre houve um trabalho isolado no Município de Vitória, em um projeto que iniciou-se em uma escola de um bairro muito carente. Esse trabalho cresceu naquela escola mas demorou a se expandir, ficando estagnado. Sempre promovemos os torneios infanto-juvenis para disseminar mais e mais o projeto, mas, depois de um início promissor, as coisas esfriaram bastante. Contudo, do ano passado para cá, as coisas melhoraram substancialmente. No Município de Santa Maria de Jetibá, onde realizamos o FENAC (sub-12 e sub-14), foi aprovada uma lei municipal, tornando o Xadrez disciplina obrigatória nas mais de 60 escolas do Município. Temos também o Município de Guarapari (onde ocorrerá o Brasileiro Sub-20), que está com um trabalho escolar em andamento, com a supervisão do nosso Diretor Técnico Cláudio Ferreira.

A Secretaria de Esportes e a Secretaria de Educação do Estado, em parceria com a FESX, realizará agora em Agosto uma capacitação de 50 professores da rede estadual, para implantar um projeto inicial em 50 escolas do Estado, em diversos municípios, atingindo cerca de 80 crianças e adolescentes por escola, nessa etapa inicial. É um primeiro passo para a implantação do Xadrez Escolar a nível estadual.

Sem contar que a semente de Santa Maria de Jetibá está se espalhando para os municípios vizinhos, já atingindo São Roque do Canaã que, com apenas 1 mês de trabalho, levou 10 crianças para o FENAC. Estamos investindo tudo nisto neste momento, traremos o GM Darcy Lima para a semana do GM para ir a essas cidades, como forma de maior incentivo aos novos praticantes. Acreditamos ser este o maior carro chefe para o crescimento do esporte.

10-Qual a principal crítica da oposição ao seu trabalho?

Bom, de início, posso afirmar que não tenho oposição. Pelo menos não declarada. Tem aqueles críticos, como já disse antes, que são críticos institucionais, não ideológicos. Ou seja, se reclamam que não tem muito torneio e a FESX passa a realizar muitos, passam a reclamar que tem muitos torneios. Se reclamam que não tem prêmio em dinheiro e instituímos isto, reclamam que estamos profissionalizando o Xadrez e atraindo só jogadores mercenários (curiosamente, os mesmos que jogavam sem prêmio em dinheiro, são os que jogam com o prêmio também, ou seja, não mudou nada!). Enfim, não há principal crítica de oposição, pois não existe oposição. Acho até ruim isto, pois eu mesmo tenho que pensar no que deve ser melhorado, com uma oposição, eu economizaria este tempo e energia para mais ações.

Assim, posso dizer que a nossa maior crítica pessoal, ao nosso próprio trabalho, foi não ter conseguido ainda adquirir uma sede que nos permita realizar torneios, abrir espaço de estudo aos jogadores, com uma biblioteca, etc. Mas isto é algo que não é muito a função de uma Federação, é função de clube. Como não temos clubes realmente ativos, a FESX acaba chamando para si esta responsabilidade e é aí que reside um dos nossos focos de trabalho atualmente. Aliás, é o mais difícil de atingirmos, pois imóveis em Vitória estão pela hora da morte.

11-De que forma podemos atrair os jovens ao jogo de xadrez?

O Xadrez Escolar é a melhor forma de atração. Contudo, se surgisse um novo campeão de nível internacional, com uma importância tal que a imprensa noticiasse bastante tal conquista, aí teríamos um grande efeito de atração para o nosso Esporte. Seria mais ou menos o efeito Guga, no tênis, o efeito Popó, no boxe, o efeito "Barcelona", no volei (olimpíadas 92). O Brasileiro é assim, só valoriza grandes conquistas, esquecendo-se dos benefícios do esporte em si, e não falo apenas do Xadrez nesse ponto.

12-O que a FESX fez para formar árbitros? Como era e como ficou o quadro de árbitros em sua gestão?

Bom, tínhamos 3 árbitros no quadro CBX: Eu, o André Ribeiro e o Sérgio Silveira. Quando assumi, éramos 1 AN (eu) e 2 ARs. Fizemos 02 cursos de arbitragem para formar novos árbitros e passamos para 1 AF, 2 ANs, 3 ARs e alguns AAs. Estamos nos programando para dar mais um curso, talvez até dois, neste ano. Temos uma demanda muito grande de árbitros e uma procura enorme, dado os projetos de Xadrez Escolar que foram citados.

13-Como expandir o xadrez, divulgando a modalidade e aumentando o número de praticantes, caso você se torne presidente da CBX?

Um primeiro passo é manter boa parte do que já tem sido feito, pois, para crescer, não podemos diminuir e nem perder os principais atletas da modalidade. É importante lançar sementes e neste ponto se faz necessária uma intervenção da CBX para levar aos vários estados a proposta do Xadrez Escolar. Acredito que isto não pode ser feito no mandato atual, pois a equipe do Sérgio promoveu uma reestruturação necessária e que se mostrou fantástica nesses 4 anos. Com a CBX estruturada, fica mais fácil partir para novos projetos.

O Xadrez Escolar é um ótimo divulgador, pois além de alcançar um número fantástico de praticantes, é um grande fator de atração da mídia. Então a fórmula é basicamente esta: expansão, divulgação e aumento de praticantes = Xadrez Escolar e investimento no alto nível, para que venham conquistas importantes. Esta dobradinha gera crescimento quantitativo e qualitativo.

14-Qual o melhor jogador de todos os tempos no Brasil e no mundo? E quem você destacaria no momento em nível nacional e internacional?

Eu, como capivara, sou suspeito para responder essa pergunta. Posso tentar responder pelo fator importância para o esporte. Nesse aspecto, no Brasil, o nome é Henrique da Costa Mecking, o Mequinho. Basta dizer que, em qualquer lugar que vou, onde pessoas mais velhas descobrem que eu tenho ligação com o xadrez, logo me questionam: "e o Mequinho, continua jogando?". Lembra de quando falei sobre grandes conquistas, que fazem a mídia falar e as pessoas logo terem interesse no esporte? Pois é, no xadrez Brasileiro só ele conseguiu isto até hoje.

Isto não quer dizer que eu não admire o Vescovi, o Leitão, o Milos, o Darcy, o Sunyê, o Fier e os MIs. Como disse, não respondi quem foi o melhor de todos os tempos, mas sim quem foi o mais importante de todos os tempos, até hoje ao menos. No plano mundial, pelo tempo em que se manteve no topo, não tenho dúvidas em dizer que o melhor (aí sim falo de melhor e não mais importante) foi o Kasparov. Aliás, acredito que se ele quisesse voltar, continuaria ganhando os torneios, mesmo com 45 anos de idade.

Já com relação ao destaque no momento, posso dizer que o Krikor, no nível nacional, sem desmerecer nenhum dos outros jogadores brasileiros, é o nome a ser observado. No nível mundial, acho que há unanimidade no nome Magnus Carlsen.

15-Qual a sua visão do xadrez na região nordeste e seus planos para esta região caso seja eleito?

O xadrez nordestino é muito forte e tem revelado talentos, vide o Yago (com 15 anos, finalista do brasileiro 2007). Sem contar na história da região no Esporte, lembrando que o Rafael Leitão é maranhense, bem como há jogadores fortíssimos vindo do Nordeste, como o Luismar Brito, o Neri Silveira, Calheiros (você mesmo!) e o Asfora. Este, além de grande enxadrista, é também um grande promovedor do esporte em todo o Brasil, um dos nomes mais importantes do Xadrez Nacional, não apenas regional.

Particularmente, eu tenho um carinho especial pelo Nordeste, pois sempre os jogadores daí prestigiaram os nossos eventos. Tenho planos para a região, como ajudar a desenvolver os estados que estão começando, ajudar os que já têm um trabalho firme e forte a manterem o que já fazem e implementarem novos projetos. Diria que o foco maior talvez seja ajudar aqueles que estão iniciando, isto não só no Nordeste, mas em todo o País. Com o crescimento dos estados que estão mais necessitados, os que já estão de vento em polpa crescem por tabela.

Agradeço a oportunidade da entrevista e deixo aqui a minha saudação a todos os amantes desta nobre arte-esporte! Abraço!

AF Pablyto Robert (Presidente da FESX)


FOTO: 44.
E-mail:calheiros28@hotmail.com
Orkut Calheiros

PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://www.revistaxadrez.com.br/eleicoes

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

TEXTO 46 - Xadrez Escolar - Aplicando o Xadrez Escolar.

Xadrez Escolar - Aplicando o Xadrez Escolar.


O que é o xadrez escolar? (Prof. Sylvio Rezende).

O xadrez e a educação (Ana Cristina von Calmbach).


O que é Xadrez Escolar?


Prof. Sylvio Rezende.

É grande o numero de pessoas até mesmo bem intencionadas, que defende a inclusão do Xadrez nas Escolas, sem saber mesmo os reais benefícios que esse esporte proporciona, muito pelo contrário, impregnados dos tabus e misticismo sobre a "Arte de Caissa" acreditam que o Xadrez deve ser praticado nas escolas, porque "a criança fica mais inteligente", "aprende melhor a matemática", etc. Muito se fala hoje em Xadrez Escolar, mas poucos realmente sabem do que se trata. A grande maioria que se refere ao assunto, trata o Xadrez Escolar, simplesmente como desenvolver o desporto de Xadrez dentro das escolas, como uma atividade a mais entre as diversas modalidades esportivas oferecidas. Neste caso, a nosso ver, respeitadas as devidas proporções a modalidade é oferecida, como nos clubes. O Xadrez, porém, praticado nos clubes e voltado essencialmente para o aspecto competitivo (como desporto) não supre todas as exigências educacionais. Faz-se mister, seja trabalhado de forma pedagógica, como um verdadeiro instrumento educacional; daí, a designação de XADREZ ESCOLAR. A educação moderna, voltada cada vez mais, para encerrar o ciclo do ensino por adestramento pela aprendizagem consciente, onde o aprendente é estimulado continuamente, a aprimorar a sua capacidade de pensar. Neste particular, o Xadrez é uma atividade primordial por excelência, não só por atender às características de desporto estimulando entre outros o espírito competitivo e auto-confiança, como adequando-se sobremaneira, às exigências da Educação moderna. Vejamos algumas experiências realizadas em diversas partes do mundo. Bélgica (1976) - O Dr. Johan Christiaen, depois de dois anos de experiências com dois grupos de 20 crianças entre 10 e 11 anos, comprovou que o aproveitamento escolar do grupo experimental, foi 13.5% superior ao do grupo do ensino regular.

New York-USA (1981) - Joyce Brown constatou considerável melhora no comportamento dos alunos - 60% menos incidentes e suspensões, além da melhora no aproveitamento escolar de até 50% na maioria dos estudantes envolvidos.
Marina, Califórnia-USA (1985). George Stephenson, após 20 dias consecutivos desenvolvendo um trabalho com um grupo de estudantes, constatou os seguintes resultados entre os alunos que apresentaram maior aproveitamento escolar:


Rendimento Acadêmico 55%
Comportamento 62%
Esforço 59%
Concentração 56%
Auto-estima 55%



John Nash, John Harsanyi e Reinhard Selten, agraciados em 1994 com o Prêmio Nobel de Economia, fundamentaram seu trabalho na chamada Teoria dos Jogos. ("Durante anos, três acadêmicos que se dedicaram a estudar o comportamento da economia segundo a lógica dos jogadores de xadrez,"........"ganharam na s emana passada o Prêmio Nobel de Economia" - (Revista Veja, 19/10/94 - * Grifos nossos). Mais recentemente, a revista Exame/julho-99 na área de Administração (pág. 86) publicou excelente matéria sobre a importância do Xadrez na formação empresarial. Outra abordagem excelente, foi publicada na revista Seleções do Reader's Digest /setembro-99 (Apenas um jogo? pág. 81). Em nossos 35 anos de experiências e observações desenvolvendo o Xadrez não só em estabelecimentos de ensino como em clubes e até a nível de projetos comunitários, podemos afirmar não só o acerto das experiências citadas, como em aspectos muito mais amplos que não caberiam nesse pequeno espaço. Voltaremos oportunamente ao assunto.


Núcleo de Xadrez Escolar


UNIDADE INTEGRADA GARRIGA DE MENEZES
Freguesia - RIO/RJ
Prof. Sylvio Rezende CENTRO EDUCACIONAL BALÃO MÁGICO
Rua Mabá, 293 - Parada de Lucas - RIO/RJ
Responsável: Jurandir Vicente Aboud Hbed
COLÉGIO METROPOLITANO
Méier - RIO/RJ
Prof. Sylvio Rezende. ESCOLA JAIME SICILIANO
MENDES - RJ
Responsável; Elcio Mourão
www.sulrj.com - E-mail: mourao@sulrj.com
E.M. JOSÉ MARIA BELLO
Realengo - RIO/RJ
Prof. Mauricio Frambach COLÉGIO CENECISTA MARECHAL RONDON
MENDES - RJ
Responsável; Elcio Mourão
www.sulrj.com - E-mail: mourao@sulrj.com
E.M. ESTADO DE ISRAEL
Realengo - RIO/RJ
Prof. Mauricio Frambach J.E. JOANINHA
Freguesia - Rio/RJ
Pietro Ferraz e Silva
ESCOLA ARVOREDO
Rua Retiro dos Artistas, 531 Pechincha -RIO/RJ
Sábados a partir das 9h
Responsável: Ary Ribeiro Gonçalves Jr. CLUBE ESCOLAR DA PAVUNA
Pavuna - Rio/RJ
Prof. Emiliano Castor

MAIS DETALHES:
U.I. GARRIGA DE MENEZES - C.I, Fundamental (1ª a 8ª série) e Médio - [Sextas-feiras]
COLÉGIO METROPOLITANO - Fundamental a partir da 3ª série e Médio
ESCOLA ARVOREDO - Fundamental. Aos sábados, aberto à comunidade.
ESCOLA JAIME SICILIANO - Pré (4 anos) até 4ª série (11 anos). Integrante da Grade Curricular - Quartas-feiras
COLÉGIO CENECISTA MARECHAL RONDON - 2ª e 4ª feira das 17h às 18h - (Clínica - Aberto p/ qq idade) Parabéns aos Diretores dos Colégios pela implantação dos Núcleos. Temos certeza pela nossa experiência pessoal de 40 anos dedicados ao Xadrez Escolar, no sucesso da iniciativa que terá como retorno quase que imediato, a melhoria do rendimento escolar entre outros atributos, dos alunos envolvidos. Tão logo sejamos cientificados sobre outros Núcleos divulgaremos para conhecimento dos demais. Ajude-nos a fortalecer o Xadrez Escolar. Comuniquem-nos outros Núcleos para divulgação.


Volte para Xadrez Escolar



O Xadrez e a Educação

Ana Cristina von Calmbach

O processo educacional vem sendo questionado e submetido a transformações em decorrência das novas descobertas que ocorrem nas ciências humanas, biológicas e sociais. A preocupação atual dos educadores é não somente transmitir conteúdos, mas criar condições para que se desenvolva no educando a autonomia, o pensamento crítico e criador, a iniciativa e a capacidade de resolver os problemas com que poderá se confrontar na vida cotidiana. Ciências modernas, como a Heurística, a Cibernética e a Praxiologia, vêm experimentando novos métodos para a resolução de problemas de alta complexidade. Neste particular, um dos instrumentos mais utilizados é o jogo de xadrez, que tem servido para desenvolver "máquinas pensantes" mais potentes e programas de maior eficiência. Uma pergunta surge naturalmente: Se o xadrez é bom para ensinar as máquinas, a "pensar", porque não incluí-lo diretamente no processo pedagógico que visa ensinar as crianças a pensar? Pedagogos vêm tentando introduzir a disciplina de Filosofia no ensino fundamental. Não será mais útil ensinar Lógica com o auxílio dos instrumentos empregados na resolução dos problemas apresentados pelo xadrez? Por que não incorporar o seu ensino ao currículo, como matéria regular, com a finalidade de aprimorar a capacidade de raciocínio e contribuir para o aprendizado das matérias de cunho científico ou cultural? O xadrez escolar é o que tem propostas pedagógicas. Não visa a ensinar a conduzir uma partida ou ganhar medalhas em competições de caráter esportivo.

É uma matéria que ensina as técnicas de resolver problemas de grande complexidade, utilizando como instrumento auxiliar os problemas típicos do jogo de xadrez. Aproxima-se do que modernamente se conhece como Heurística, ou seja, a ciência do pensamento criador. Além disso, experiências internacionais demonstram que o aprendizado e prática do xadrez desenvolvem várias habilidades indispensáveis à plena realização do individuo como membro da comunidade, habilidades essas que são uma das finalidades do processo educacional moderno.Torna-se necessário, todavia, desconstruir a aura que envolve o xadrez como um simples jogo e enfatizar o fato de que, usado como instrumento de educação, o xadrez estimula na criança o aparecimento de diversas características que influenciam o comportamento em geral, o que muito contribui para diminuir a violência escolar, construir o caráter e desenvolver atitudes favoráveis ao convívio social - entre as quais, a atitude de compartilhar o seu pensamento, o seu raciocínio, suas opiniões e idéias com os companheiros. Nas situações de aprendizagem do xadrez a criança aprende a organizar seu pensamento verbalmente. O "problema" adquire um sentido importante, quando as crianças buscam soluções e discutem-nas com as outras crianças. É um fato comprovado na prática que todas as crianças adoram jogar. O jogo é o mais motivador instrumento do repertório de um bom professor, sendo que os jogos que apresentam as caraterísticas ideais para seu uso como recurso didático são os jogos de regras. O xadrez, em particular, motiva as crianças a se tornarem solucionadoras de problemas e a empregar grande parte de seu tempo jogando sossegadamente.

Crianças que normalmente não ficariam 15 minutos quietas, em uma sala de aula do tipo tradicional, são capazes de se manter entretidas durante horas imersas em raciocínio lógico O xadrez, por suas características, desenvolve a capacidade de o jogador ponderar, analisar e decidir cada lance, refreando, assim, os atos impulsivos Desta forma, constantemente, o jogador é obrigado a praticar a tomada de decisões que serão fundamentais para o êxito na partida, ensinando a criança a investigar, a prever e a planejar cada lance. O xadrez proporciona uma grande variedade de problemas de diversas qualidades. O contexto é familiar, os temas se repetem mas as condições são específicas a cada situação. Desta forma o xadrez é um grande manancial estimulador da pesquisa e do conhecimento e se encaixa perfeitamente na concepção piagetiana a respeito dos jogos, por ser um jogo de regras, e, como tal, englobar características dos jogos de exercício e dos jogos simbólicos. Vygotsky e os cientistas da escola russa, ao proporem a introdução do jogo nas escolas, mostram quais são as características principais que os jogos devem possuir para serem bons recursos didáticos. Para eles o jogo ideal a ser usado como auxiliar pedagógico deve ser definido pelos seguintes critérios:

1) aos objetos utilizados devem ser conferidos significados diferentes do que normalmente eles possuem;
2) a situação deve ser imaginária;
3) os participantes realizam ações que representem interações presentes na sociedade em que vivem;
4) as regras que orientam o jogo devem ser respeitadas.
O jogo de xadrez é um jogo completo, pois se encaixa perfeitamente nesses moldes colocados por Vygotsky para o jogo ideal, porque:
1) Confere significados diferentes aos objetos utilizados:
O xadrez é jogado em um tabuleiro de 64 casas de cores alternadas que representa um campo de batalha onde dois "exércitos" deverão se defrontar. As peças constituintes do jogo representam reis, rainhas, cavalos, bispos, peões e torres.
2) Oferece uma situação imaginária:
A situação é a de uma guerra onde o objetivo é a captura do Rei adversário.
3) As ações são representativas da sociedade:
As ações consistem em aumentar o auxílio mútuo entre suas peças e diminuir o poder das peças do adversário. Trata-se de uma competição onde poderão ser enfatizados os aspectos da cooperação e da organização. A situação, embora imaginária, poderá, de acordo com o tipo de orientação do professor, ser deslocada para exemplificar situações vividas nas experiências comuns da vida cotidiana.
4) Exige o respeito às regras:
Cada jogador tem que esperar sua vez de jogar e cada peça possui um tipo de movimento diferente, cuja obediência é necessária para que o jogo possa se realizar.
Só por isso, o xadrez já se qualifica como um precioso coadjuvante escolar, uma vez que os conhecimentos adquiridos ao estudar e aplicar as regras do jogo podem ser transferidos para o estudo e análise das situações concretas da vida cotidiana. O xadrez não é, em si, um instrumento de educação formal, mas se tomarmos as peculiaridades deste jogo e as projetarmos, uma a uma, ao campo educativo, constata-se que suas características se convertem em outras tantas funções educativas. Tenha-se em conta que o xadrez cria hábitos de estudo, estimula a atitude de proceder com método e fomenta o desejo de superação mediante o conhecimento. Parece não restar dúvida tratar-se de um poderoso auxiliar pedagógico que catalisa várias disciplinas e desenvolve nos alunos o raciocínio lógico e o pensamento criador. Estimula a autonomia de pensamento e coaduna-se perfeitamente com as propostas da educação com o auxílio de jogos. ==//==Brevemente, divulgaremos outros trabalhos alusivos ao Xadrez Escolar. Solicitamos, pois, àqueles que tiverem se dedicado ao Xadrez Escolar em seus trabalhos, sejam ou não como.



PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://www.apetx.org.br/aplicando_o_xadrez_escolar.htm

TEXTO 45 - Entrevista Kasparov para a Revista Veja Edição 1868 . 25 de agosto de 2004.


FOTO 42.

Nos últimos dezenove anos, ninguém roubou do russo Garry Kasparov o primeiro lugar no ranking internacional do xadrez. Filho de um casal de engenheiros, ele aprendeu a jogar aos 7 anos de idade. Nascido no auge da Guerra Fria, Kasparov conquistou, aos 22 anos, o título de campeão mundial de xadrez – o tipo de conquista que os dirigentes de seu país costumavam apregoar como símbolo da superioridade intelectual soviética. Apesar disso, ele nunca foi um entusiasta do regime comunista. Hoje, aos 41 anos, vivendo em Moscou, continua um crítico do governo russo, que considera "autoritário e corrupto". Separado, pai de dois filhos, o enxadrista dá palestras a executivos de diversos países sobre como ter sucesso nos negócios usando estratégias do jogo no qual é gênio. Com esse objetivo, e acompanhado da namorada, a economista russa Daria Tarazova, de 23 anos, ele esteve na semana passada em São Paulo, onde também participou de um torneio amador de xadrez. Kasparov concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
Veja – O escritor e humorista brasileiro Millôr Fernandes escreveu certa vez que "o xadrez é um jogo chinês que aumenta a capacidade de jogar xadrez". O senhor concorda?
Kasparov – Ele está certo em uma coisa: a maioria dos campeões só quer desenvolver a habilidade de jogar xadrez em nome de uma meta individualista, uma viagem ao próprio umbigo, em que o objetivo é ser mais e mais inteligente para... jogar xadrez. Os campeões têm, sim, a mente estreita. É preciso reconhecer que, para estar no topo da lista, não há muita escapatória. Despejar toda a energia no jogo, como eles fazem, torna-se um mal necessário. Eu tento fugir dessa sina como posso. Leio, vou ao cinema, dou palestras, escrevo livros, faço ginástica, penso nos meus filhos. Mas acho que o escritor cometeu um equívoco em sua afirmação.
Veja – Qual?
Kasparov – Ele está olhando apenas para aquele 1% das pessoas que jogam xadrez profissionalmente. Para o resto, o jogo não tem nada de limitador. Ao contrário, ajuda a abrir a cabeça. Está comprovado que o xadrez ajuda a melhorar a atenção, a disciplina, o pensamento lógico e a imaginação. Não é por acaso que, nas 13.000 escolas americanas onde se ensina xadrez, as crianças têm melhor desempenho em disciplinas como matemática e redação. Elas também demonstram ter um senso de responsabilidade mais aguçado.
Veja – Qual é a relação entre xadrez e senso de responsabilidade?
Kasparov – Está na moda dizer que tudo que acontece de ruim é responsabilidade de todo mundo. O jogo coloca as coisas no seu devido lugar: é você quem responde pelo movimento de suas peças, e mais ninguém. Como na vida, você é o único responsável pelos próprios atos.
Veja – O senhor considera o xadrez um jogo mais inteligente que os outros?
Kasparov – É o jogo mais inteligente. Demanda raciocínio sofisticado e não conta com técnicos, time nem sorte. O pôquer é complexo, mas, ainda assim, um jogador ruim pode vencer uma partida porque recebeu as melhores cartas. Num esporte de equipe, como o futebol, se o time vai bem, um Ronaldinho tem um ambiente favorável para brilhar e fazer gols. Já no xadrez, você está solitário do primeiro ao último lance. Se é derrotado, o fracasso é só seu.
Veja – A derrota ainda lhe causa sofrimento?
Kasparov – Perder é terrível. A derrota nunca deixa de doer fundo. Toda vez que isso ocorre, fico me punindo mentalmente, refazendo a partida na cabeça: "Onde errei?". E olha que jogo xadrez praticamente desde que saí da maternidade.
Veja – Como era ser um jovem campeão de xadrez na União Soviética, em plena Guerra Fria?
Kasparov – Certamente fui mais feliz do que os jovens da minha idade que viveram na velha União Soviética. A fama e o dinheiro me proporcionaram um artigo raro na época: a liberdade. Enquanto meus colegas ficavam restritos às prateleiras de produtos soviéticos, eu viajava pelo mundo e via filmes que conseguia no mercado negro. Sim, porque o sistema era hipócrita. Quem tinha dinheiro assistia em casa a filmes que jamais passariam no cinema comunista, como O Poderoso Chefão e Apocalypse Now. Fui privilegiado por ter acesso aos prazeres do Ocidente, embora o governo não gostasse de mim.
Veja – Por quê?
Kasparov – Nos bastidores, eu era visto como um alienígena. Primeiro, não gostavam da minha origem "pouco pura": sou filho de pai judeu com mãe armênia. Depois, nunca me manifestei a favor do governo russo – eles sabiam, por exemplo, que eu jamais serviria no Exército. Por causa de coisas como essas, minha presença no pódio do xadrez soviético era incômoda para o regime. Eles teriam preferido dar o ouro a um sujeito como Anatoly Karpov, abertamente simpático ao comunismo e de quem roubei o título mundial.
Veja – O senhor chegou a ser prejudicado pelo regime?
Kasparov – Em 1984, Karpov ainda era o melhor do mundo quando disputamos um torneio em Moscou. No início, ele estava ganhando, mas bastou a situação começar a se inverter para a federação suspender o campeonato, alegando que estávamos intelectualmente exauridos, sem condição de continuar. Eu me senti prejudicado. Um ano depois, contudo, faturei o título mundial e o governo teve de se resignar com o fato. Como eu era campeão, eles eram forçados a me tratar como um animal sagrado, um troféu nacional.
Veja – O xadrez era tão popular na União Soviética como o futebol no Brasil?
Kasparov – O xadrez nunca esteve perto de ser na União Soviética uma paixão nacional capaz de fazer um país inteiro chorar ou ir ao delírio, como acontece com o futebol no Brasil. Sempre foi um jogo utilizado como ferramenta ideológica do regime. Ganhar um torneio mundial de xadrez era uma forma de mostrar a supremacia intelectual soviética sobre o Ocidente "decadente". Por isso, o governo nunca investiu na massificação do esporte. O objetivo era apenas encontrar os supertalentos no meio de 1 milhão de pretendentes e estampá-los na vitrine do país. Foi sorte minha ter sido pescado na multidão.
Veja – O senhor acredita em sorte?
Kasparov – Para quem é brilhante, a sorte pesa menos. Quando o talento de uma pessoa é excepcional, como no meu caso, fica mais difícil passar uma vida inteira sem que ele seja descoberto. Beethoven e Verdi, por exemplo, eram considerados alunos de música ruins, mas acabaram tendo seu talento desvendado. O problema é quando as pessoas têm algum talento, mas nada que seja excepcional. Nesse caso, a sorte é mais importante. As que contam com ela vão bem na vida. Já a massa está fadada à mesmice e ao anonimato, mesmo sendo talentosa. Por quê? Azar do destino. Nesse ponto, acho que falo a mesma língua do Paulo Coelho. É um escritor que me serve de referência filosófica.
Veja – O que o senhor gosta na obra do Paulo Coelho?
Kasparov – Consulto sempre O Alquimista, que fica na minha mesinha-de-cabeceira. Ele mostra como a intuição é importante no processo de tomada de decisão. Uso isso no xadrez, que, diferentemente do que muita gente acredita, não é um jogo matemático finito, previsível. O xadrez é matematicamente infinito. Coloca diante de você milhares de possibilidades. Por isso, a intuição é importante: você tem de recorrer a ela na hora de optar por um movimento no tabuleiro.
Veja – Nas partidas que disputou contra o computador, o senhor ganhou e perdeu. Na sua opinião, quem é mais forte: o homem ou a máquina?
Kasparov – A desvantagem do homem em relação à máquina é que o computador é psicologicamente preciso, perfeito. Não tem instabilidade, mau humor, irritação, dor de cabeça. Já a vantagem do homem sobre o computador é a flexibilidade. O computador nasce programado para olhar o jogo de um determinado jeito, com uma estratégia preestabelecida, amarrada. E não muda. Eu, não. Tenho a habilidade de refazer a estratégia, trocar minhas prioridades. A máquina é movida pela lógica do cálculo perfeito. O homem tem o poder de fazer julgamentos. Tenho certeza de que o melhor homem, no seu melhor dia, ainda bate a eficiência da máquina – e vai ser assim durante muito tempo. Quando digo "o melhor homem", estou me referindo a não mais que quatro, cinco jogadores no mundo inteiro. Eu já provei ser um deles. Venci, mas fiquei exaurido, estraçalhado. Jogar me cansa cada vez mais.
Veja – A idade atrapalha?
Kasparov – Atrapalha. Não tenho mais a concentração de antes porque a minha cabeça está cheia de preocupações que passavam longe da minha juventude em Moscou. O acúmulo de atribuições típicas da minha idade contribui para fragilizar a concentração, vital para vencer o jogo. Também não sou mais movido por aquela fome louca de ganhar, ganhar e ganhar. Tenho essa voracidade em alguns jogos, não mais em todas as partidas como antes. E, para completar, o xadrez está se tornando um esporte cada vez mais físico, o que definitivamente coloca os mais velhos como eu em franca desvantagem.
Veja – Como assim, "mais físico"?
Kasparov – O xadrez é o mais violento dos esportes. Como numa guerra, o objetivo é minar o inimigo psicologicamente para trucidá-lo no tabuleiro. Nessa batalha, tem mais chances de vencer quem consegue despejar mais energia e manter mais concentração na partida. Energia e concentração, infelizmente, encolhem com a idade. Não é por acaso que os bons jogadores são cada vez mais jovens. A média de idade dos campeões é de 30 anos – e está caindo.
Veja – O senhor acha que as pessoas que não conseguem aprender xadrez são menos inteligentes do que aquelas que aprendem e jogam bem?
Kasparov – Pessoas que tenham um mínimo de interesse pelo jogo assimilam pelo menos o básico. Quem consegue superar esse nível rudimentar demonstra uma rara capacidade para fazer julgamentos e tomar decisões. Se fosse um executivo e quisesse recrutar um funcionário para a minha equipe, certamente ficaria com aquele que venceu os concorrentes no jogo.
Veja – Em suas palestras, o senhor diz que o uso de estratégias do xadrez pode ser útil nos negócios. Pode explicar melhor?
Kasparov – Acho que alguns ensinamentos extraídos do jogo podem servir de ferramenta para aumentar a produtividade em grandes companhias, por exemplo. Falo para os executivos nas palestras que dou pelo mundo que eles perdem tempo demais com detalhes. Digo que é importante ter distanciamento para olhar o jogo inteiro, uma visão panorâmica que permita traçar estratégias. Poucos conseguem virar essa chave.
Veja – Que tipo de conselho o senhor dá para que consigam?
Kasparov – O primeiro passo é prestar atenção na própria personalidade, mapeando defeitos e qualidades profissionais, para depois fazer a mesma coisa em relação ao oponente. O objetivo é criar um ambiente de negócios favorável a você – um ambiente em que as suas qualidades possam sobressair. É exatamente como no xadrez: é preciso conhecer o padrão do jogo, o estilo do adversário e seu desempenho nas últimas negociações. Outro ponto de minhas palestras, talvez o mais difícil, é como fazer o empresário entender que é necessário mudar a fórmula que já o levou ao sucesso uma vez. Ele tende a repeti-la. Ocorre que, se já deu certo, dificilmente dará de novo, porque a fórmula já terá se tornado previsível.
Veja – O senhor acha que seria um bom executivo?
Kasparov – Confesso que não. Prefiro a solidão do xadrez.
Veja – Os esportes de equipe não o atraem?
Kasparov – Tenho trauma de esportes de equipe. Certa vez, estava jogando uma partida de futebol. Fui dar uma cabeçada e consegui quebrar o nariz no confronto com outro jogador. Tenho nariz achatado até hoje por causa desse episódio. Esportes que demandam contato físico me metem medo. Por isso, não jogo vôlei nem basquete. Prefiro ficar nas modalidades individuais. Pratico remo e natação, por exemplo. Em termos de contato físico, o que mais gosto é de falar em público e ser parado na rua por um admirador.
Veja – O senhor parece gostar muito da fama.
Kasparov – É bom ser uma celebridade. Você ganha dinheiro, come a melhor comida, fica nos melhores hotéis e, no meu caso, tem liberdade de expressão. Por outro lado, por uma questão de segurança, vivo como se houvesse um vidro me separando do resto da humanidade. Isso é angustiante. Fui ao Rio de Janeiro em 1996 e me disseram que era uma cidade perigosa. A coisa mais ousada que consegui fazer foi visitar um bufê self-service de sorvete. Outro problema do sucesso é que ele traz inimigos.
Veja – O senhor tem muitos?
Kasparov – Tenho vários. Quem está no topo tanto tempo como eu coleciona inimigos. A maioria das pessoas odeia quando você ganha. Mas que fique claro: não estou nem aí para os meus oponentes. Sei que, se jogo bem, ganho. Sou como a Seleção Brasileira de Futebol. No xadrez, não existe ninguém à minha altura.


PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://www.clubedexadrez.com.br/portal/capelaxadrezclube/26-08-2004_entrevista_de_kasparov_para_a_revista_veja.htm

TEXTO 44 - XADREZ: XEQUE-MATE.

Em 1985, o novo e o velho se enfrentam na decisãodo título mundial de xadrez. O resultado foi um prenúnciodos ventos de abertura na União Soviética
por Yury Vasconcelos
Em 9 de novembro de 1985, um mundo dividido assistiu ao fim de uma exaustiva série de partidas pelo título mundial de xadrez. Aos 22 anos, Garry Kasparov se tornava, naquele dia, o mais jovem campeão da modalidade em todos os tempos. O prodígio havia derrotado Anatoli Karpov, que detinha a coroa desde 1975. Ambos tinham nascido na hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS. Entretanto, naqueles tensos anos 80, eles representavam interesses bastante diferentes. Karpov, membro do Partido Comunista, era o preferido dos burocratas de Moscou, enquanto o desafiante Kasparov, anticomunista e crítico do sistema, era encarado quase como um dissidente do regime. Sua vitória foi uma metáfora do fim do comunismo e um prenúncio do declínio da União Soviética, que alcançaria seu desfecho em 1992, com a desintegração do país.

No plano internacional, o planeta vivia a chamada Guerra Fria, que colocava de um lado os Estados Unidos e seus aliados do Ocidente e, do outro, os soviéticos e seus parceiros comunistas. Para compreender o significado do duelo entre Karpov e Kasparov, que durou mais de um ano, é preciso voltar no tempo e perceber a importância do xadrez nos tempos da Guerra Fria. Desde o fim da década de 1920, o regime soviético, por ordem do ditador Josef Stálin, resolveu tratar esse esporte como assunto de Estado. O objetivo era usar o xadrez como instrumento de propaganda política e tentar provar a superioridade intelectual dos comunistas frente aos capitalistas.

“O xadrez sempre foi um simulacro dos confrontos políticos e militares, com todas as suas jogadas de abertura e xeques-mates”, escreveu ano passado, na revista britânica Prospect, o jornalista Daniel Johnson (que está preparando um livro sobre o xadrez e a Guerra Fria). “O jogo funcionou como uma megametáfora para aquela guerra psicológica. Os russos podem ter ficado para trás em termos de tecnologia militar ou competição econômica, mas nos tabuleiros de xadrez eles reinaram supremos”, afirma. Desde o fim dos anos 30, todos os campeões mundiais (Alexander Alekhine, Mikhail Botvinnik, Tigran Petrosian, Boris Spassky) haviam saído da União Soviética. A exceção foi o americano Bob Fischer, que levou o troféu para o Ocidente em 1972, derrotando Spassky. Foi a primeira vez que um ocidental ousou desafiar e vencer um campeão soviético.

Pelas regras da Federação Internacional de Xadrez (Fide, na sigla em francês), o campeão precisava defender o título a cada três anos. O desafiante era definido no Torneio dos Candidatos, uma exaustiva maratona trienal em que enxadristas de todo o planeta se enfrentavam. Karpov venceu a competição e se credenciou para a disputa do título de 1975. Mas, por discordar das regras da disputa, Fischer recusou-se a colocar seu troféu em jogo. Assim, o soviético acabou sendo sagrado campeão.

Três anos depois, Karpov enfrentou o desertor soviético Victor Korchnoi, que tinha se naturalizado suíço. A disputa ocorreu em Baguio City, nas Filipinas – o desafiante não poderia entrar na União Soviética sem correr o risco de ser detido. Karpov ganhou por 6 a 5, com 21 empates. Alguns anos depois da final, Korchnoi declarou que perdera a disputa, mas salvara a própria vida. Era uma alusão aos rumores de que, caso tivesse vencido, os soviéticos teriam forjado um acidente para matá-lo. A disputa pelo campeonato de 1981 opôs, mais uma vez, Karpov e Korchnoi. Desta vez, o desafiante não resistiu ao bom jogo do campeão e perdeu por 6 a 1.

A história dos combates entre Karpov e Kasparov teve início na luta pelo título de melhor enxadrista de 1984. “Kasparov era uma estrela ascendente. Havia derrotado grandes jogadores para chegar à final”, afirma o enxadrista Luiz Loureiro, cronista da Federação Paulista de Xadrez. “Karpov, por sua vez, era considerado um herói nacional por causa das vitórias contra Korchnoi. Ele havia sido condecorado com uma distinção emérita por ter defendido a honra do país contra um dissidente.”

A disputa começou em setembro e teve como palco a célebre Sala das Colunas, em Moscou (local em que os líderes soviéticos, desde Lênin, haviam sido velados após a morte). Assim como no embate entre Karpov e Korchnoi, venceria quem chegasse primeiro a seis vitórias, sem que houvesse um número limitado de partidas. O confronto começou acirrado, com empate nas duas primeiras partidas, mas logo Karpov abriu uma ampla vantagem. Em nove jogos, fez 4 a 0 e deu a impressão de que venceria com facilidade. Seguiram-se, então, 17 empates até Karpov levar mais uma partida e ficar a uma vitória do título consagrador. Mas não foi o que aconteceu. Depois de três empates, Kasparov registrou sua primeira vitória e resistiu bravamente a mais 14 jogos que terminaram sem vencedor.

Àquela altura, com 45 partidas jogadas, o confronto estava perdendo interesse e tinha virado uma dor de cabeça para seus organizadores. A Federação Soviética de Xadrez não esperava uma disputa tão longa, muito menos arcar com o custo do aluguel da suntuosa Sala das Colunas. Após a partida 47 (empate, assim como a 46), realizada em janeiro de 1985, quatro meses depois de iniciado o confronto, a final foi deslocada para o Hotel Sport, em Moscou. A mudança de ares beneficiou Kasparov, que ganhou duas partidas consecutivas e encostou no placar (3 a 5). Como Karpov era o queridinho do regime, a reação do desafiante acendeu a luz vermelha. “A impressão que se teve é que Kasparov, muito mais jovem e atlético do que Karpov, poderia inverter o jogo”, conta Luiz Loureiro.

Em 13 de fevereiro de 1985, o presidente da Fide, o russo Florêncio Campomanes, amigão de Karpov e defensor do regime comunista, decidiu suspender a disputa, alegando que os jogadores estavam exaustos e que seria improvável um dos dois conseguir a sexta vitória. Ficou acertado que uma nova final seria disputada dentro de seis meses. O tiro acabou saindo pela culatra. “Do ponto de vista esportivo, Karpov foi o maior prejudicado, pois tinha dado aulas de graça para seu adversário”, diz Loureiro. “Kasparov ganhara uma enorme experiência, que o transformou num jogador mais forte, equilibrado e completo.”

Enquanto o embate Karpov-Kasparov estava suspenso, o pano de fundo político havia mudado. Em 11 de março de 1985, chegou ao poder Mikhail Gorbachev, o novo secretário-geral do Partido Comunista Soviético. Autor dos programas de distensão do regime conhecidos como Perestroika (“reestruturação”) e Glasnost (“abertura” ou “transparência”), ele viria a ser o principal responsável pelo desmantelamento da União Soviética. Ele substituía Kostantin Chernenko, que morrera 13 meses depois de ser escolhido pelo partido.

Antes de Chernenko, o país havia sido governado por Yuri Andropov, ex-chefe da KGB, a política secreta soviética. Ele também teve uma passagem efêmera pelo Kremlin (apenas 16 meses). Andropov e Chernenko sucederam o líder Leonid Brejnev, que mandou na União Soviética entre 1964 e 1982. “Os dois líderes que vieram depois dele eram figuras anódinas e desconhecidas. A idéia que se tinha é que o regime estava caindo aos pedaços e seus mandatários estavam enganando o povo”, afirma a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo.

A final do campeonato de xadrez de 1985, portanto, foi realizada em meio a profundas transformações na vida soviética. “Karpov representava o período de estagnação de Brejnev e Kasparov era o símbolo da ruptura e dos novos ventos trazidos por Gorbachev”, diz o enxadrista Luiz Roberto da Costa Júnior, sócio do Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro. Para evitar o fiasco do embate anterior, a Fide mudou as regras do jogo e limitou em 24 o número de partidas. Seria campeão quem acumulasse mais pontos ao fim do confronto – as vitórias valeriam um ponto e os empates, meio ponto para cada competidor. Em caso de igualdade, Karpov manteria o título.

O reinício do confronto teve como palco a Sala de Concerto Tchaikovsky, em Moscou. Kasparov ganhou a primeira partida, mas Karpov recuperou-se e venceu os jogos 4 e 5, fazendo 2 a 1. O desafiante empatou a disputa no 11º jogo, após cinco empates sucessivos, e virou o placar no 16º embate, fazendo 3 a 2. Ampliou a vantagem ao ganhar o 19º jogo, mas, três partidas depois, Karpov conquistou sua terceira vitória, encostando no marcador (4 a 3). Faltando duas partidas para o fim da disputa, Karpov precisava de mais uma vitória e um empate para continuar com a coroa. O penúltimo jogo acabou sem vencedor e o último foi ganho por Kasparov, que enfim se sagrou campeão.

A vitória do jovem enxadrista foi comemorada no Ocidente, mas teve um gosto amargo para as autoridades de Moscou. “Nos bastidores, eu era visto como um alienígena. Primeiro, não gostavam de minha origem ‘pouco pura’: sou filho de pai judeu com mãe armênia”, declarou Kasparov em entrevista dada à revista Veja em 2004. “Depois, nunca me manifestei a favor do governo russo. Por causa disso, minha presença no pódio do xadrez soviético era incômoda para o

PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://historia.abril.com.br/politica/xadrez-xeque-mate-434594.shtml

TEXTO 43 - LIVRO: O UNIVERSO EM TABULEIRO.


FOTO 40.

A história do xadrez mostra por que o jogo se tornou uma
metáfora poderosa para quase toda atividade humana.

O filho único de uma rainha da antiga Índia morreu assassinado, e nenhum súdito tem coragem de informá-la de que o trono já não tem herdeiro. Um filósofo é chamado para resolver o impasse. Sua solução vem na forma de um tabuleiro quadrado, dividido em 64 quadrados menores, e 32 figuras entalhadas em madeira – as peças de um novo jogo, o xadrez, cujo objetivo é levar o rei à morte no xeque-mate. O filósofo joga uma partida com um discípulo diante da rainha. Quando o jogo chega ao fim, com um dos reis caídos, ela compreende: "Meu filho está morto". Essa velha lenda sobre a origem do xadrez revela uma das características mais intrigantes do jogo: o movimento regrado das peças nos limites geométricos do tabuleiro parece capaz de representar as realidades mais caóticas do mundo exterior, como o assassinato de um príncipe. Para os interessados em entender essa riqueza simbólica do xadrez, O Jogo Imortal (tradução de Roberto Franco Valente; Jorge Zahar; 312 páginas; 49 reais), do jornalista americano David Shenk, é uma bela introdução, ao mesmo tempo fascinante e acessível.

Com regras um tanto diferentes das atuais – algumas peças se moviam mais lentamente –, o xadrez surgiu por volta do século V ou VI, provavelmente na Pérsia (atual Irã). No século VII, a Pérsia foi incorporada ao império islâmico, que divulgou o jogo por seus vastos domínios. E foi daí que ele chegou à Europa medieval. Um tratado moral do monge Jacobus de Cessolis, no século XIII, tornou-se muito popular ao utilizar as peças do xadrez como alegoria da sociedade medieval. Aliás, as peças que se usam ainda hoje seguem fiéis ao imaginário da Idade Média: peão, torre, cavalo, bispo, rainha e rei. No entanto, o xadrez, com suas propriedades racionais, foi o jogo preferido de iluministas como Voltaire. Benjamin Franklin recomendava o jogo para fixar valores morais e intelectuais como a perseverança e a precaução. O xadrez, portanto, serviu igualmente aos moralistas medievais e aos fundadores da revolucionária república americana.

Há algumas razões objetivas para que o xadrez tenha se universalizado como metáfora ou matriz para as mais diversas atividades (veja o quadro na pág. ao lado). O resultado de uma partida depende exclusivamente da habilidade dos jogadores. Trata-se, portanto, de um jogo que exalta o livre-arbítrio, e não o acaso ou destino, como os dados. Também é uma disputa transparente, em que toda a informação necessária para chegar à vitória está colocada à vista de ambos os contendores – ao contrário do pôquer, em que impera o blefe. E, a despeito dessa clareza, é um jogo cujas propriedades matemáticas apontam para o infinito: depois de apenas quatro lances, o número de configurações possíveis no tabuleiro chega a 315 bilhões – e até o fim da partida salta, em progressão geométrica, para os trilhões de trilhões de trilhões. Em O Sétimo Selo, filme do sueco Ingmar Bergman, um cavaleiro joga xadrez com a Morte. Não poderia disputar outro jogo: o xadrez é um flerte com o infinito.

Em casos extremos, é também um namoro com a loucura. O Jogo Imortal documenta vários casos de campeões do xadrez que se viram assolados pela doença mental. O austríaco Wilhelm Steinitz, cujo estilo "científico" foi inovador no século XIX, chegou a dizer que jogara xadrez com Deus – e ganhara. Teve de ser internado em um asilo para doentes mentais. O caso mais famoso da loucura do xadrez é o americano Robert Fischer, que venceu sua primeira partida profissional aos 13 anos, em 1956. Desde cedo devotado exclusivamente aos mais intricados problemas enxadrísticos, Fischer tinha dificuldades em manter uma conversa que não versasse sobre xadrez. Em 1972, tornou-se o primeiro americano a conquistar o campeonato mundial, quebrando a hegemonia dos soviéticos. Mas, depois da vitória histórica sobre o russo Boris Spassky, Fischer retirou-se da vida pública e não quis competir para manter o título mundial. Sua crescente instabilidade emocional chegou ao limite da paranóia. Em 11 de setembro de 2001, logo depois dos atentados nos Estados Unidos, concedeu uma entrevista a uma rádio das Filipinas para manifestar, em discursos nervosos e torrenciais, seu apoio aos terroristas.

Ainda não existe uma teoria convincente para explicar o grande número de malucos entre os gênios do xadrez. Mas é seguro dizer que o xadrez por si só não causa doenças mentais. David Shenk afirma, ao contrário, que o jogo traz vantagens para os diletantes (como ele mesmo). Seria um método sem igual para desenvolver o raciocínio abstrato. A sugestão deve ser temperada por uma das tiradas céticas de Millôr Fernandes: "O xadrez é um jogo que desenvolve a inteligência pra jogar xadrez". A máxima vale até para a inteligência artificial: um grande marco nas pesquisas da área foi o Deep Blue, o primeiro computador a derrotar um campeão de xadrez, Garry Kasparov. E, de certo modo, explica o fascínio que o jogo sempre exerceu sobre escritores como Vladimir Nabokov e artistas como Marcel Duchamp. Como uma obra de arte, um jogo de xadrez é um universo auto-suficiente, contido em si mesmo – e que no entanto pode representar o mundo.


FOTO 41.

PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://veja.abril.com.br/311007/p_128.shtml
VEJA
Edição 2032.
31 de outubro de 2007.

domingo, 10 de janeiro de 2010

TEXTO 42 - DIA INTERNACIONAL DO XADREZ: 19 DE NOVEMBRO.


FOTO 39.

Iniciei este texto para falar sobre o xadrez de Lages, mas a introdução sobre a situação mundial, mesmo que ampliada, fez-se necessária, pois a visão do senso comum sobre os enxadristas é estereotipada e não raro preconceituosa, como jogo chato, de estudantes profissionais (Nerds, na gíria das escolas), entre outros. Mas esta é uma outra história, para outro momento, caso eu consiga motivação para demover tal repercussão (o que mantém os verdadeiros chatos muitas vezes longe, sendo parcialmente positivo). Volto ao Xadrez de Lages. Cheguei na cidade em 01 de março de 1994 (como campeão Estadual Absoluto) e antes disso pouco registro tenho, mas nomes como Ives Muniz, Edson Gomes de Freitas, Arlindo Bortolon, Edézio Caon, Dieter Freitas, Prefeito “NUTA” (me desculpe o raro leitor, mas nunca soube o nome exato do ex-Prefeito), Carlos Fernando Agustini e Raul Arruda Filho foram nomes que fizeram do xadrez lageano conhecido na região e no estado. Uma das minhas missões há época, contratado pela Fundação Municipal de Esportes (Professor Álvaro Muniz era o Superintendente) era de levar o xadrez até as escolas, tornando popular um esporte que era,digamos, “simpático” ao lageano, mas praticado por um grupo que realizava competições internas no Clube 14 de Junho ( e muitos confrontos com a fortíssima equipe de Joaçaba, liderada pela família Queiroz). Abrimos focos na Biblioteca Pública (Tanque), em algumas escolas municipais, encontros com professores (oficinas), xadrez na praça, jogos escolares municipais e filiamos o Lages Xadrez Clube (entidade que responde pelo xadrez em Lages junto a Federação Catarinense de Xadrez), para participar dos estaduais das categorias de base. Os resultados não demoraram a surgir. A primeira conquista (sob minha orientação) foi grande. Uma equipe brilhante conquistou o Vice-Campeonato da Etapa Estadual dos Jogos Escolares de Santa Catarina, em Caçador, em junho de 94 (Vimos o Brasil ser “Tetra” no alojamento, pouco antes de recebermos a medalha de prata). Juliana Oliveira (hoje no Paraná), Geovana Dotta (professora no CAV atualmente) e as irmãs Karylou e Kelly Heidrich (residentes em Lages) ergueram o Troféu por equipes em menos de 6 meses de trabalho. O campo era bom, a disposição do lageano ainda maior e a perspectiva era cada vez melhor. Kelly foi 6 vezes campeã estadual (nunca perdeu um título que disputou em território catarinense), participamos de Brasileiros e um Pan-Americano realizado no Brasil, em Itapirubá-SC.

Escrevo direto dos JASC 2009 (Chapecó), onde disputamos com as melhores equipes do estado (muitas delas de fora também, pois trazem vários atletas contratados, mas isso também é pauta para outra
crônica) e os desafios aqui são de 6 horas cada (isso mesmo, 7 partidas, uma por dia, com duração máxima de 6 horas cada).Posso dizer que o orgulho que sinto por representar Lages e hoje dividir a equipe com Alfeu, Joana, Matheus Demertine, Guilherme Exterhotter Bastos, Helena Vieira, Larissa Moretti, Fernanda Dal Piva, Kassiele da Rosa, Marelise Cordeiro e Carolina Grazziotin é proporcional a felicidade em fazer parte da vida de cada um que passou pelo xadrez de Lages e que ainda temos muito pela frente, mas sabemos que hoje Lages diz “SIM” ao xadrez e com isso, temos a certeza do sucesso. Pessoalmente, agradeço aos amigos da imprensa pelo nobre espaço cedido ao xadrez, começando pelo Jornal O MOMENTO, pioneiro da campanha de patrocínio da equipe, em 1997 e que muito retorno nos deu. Celso Aurélio, Carla Reche, Suzane, Begaer e outros profissionais contribuíram para o xadrez tornar-se um produto lageano de alta qualidade. Amigos como Denise De Bona Sartor, Nelci Demertine, José Judas Tadeu Ribeiro, Luis Carlos “Alemão” Muniz,Humberto Arantes e FME acreditaram e acreditam no potencial dos atletas e na capacidade em fazer de Lages, uma terra de oportunidades também na área intelectual e esportiva, educando e projetando o jovem para caminhos mais edificantes e saudáveis, verdadeira e principal missão de cada um de nós, educadores. Parabéns ao Xadrez, parabéns aos enxadristas, mas especialmente, Parabéns Lages!


PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://www.adjorisc.com.br/jornais/omomento/noticias/index.phtml?id_conteudo=231803

TEXTO 41 - BIOGRAFIA DE RUY LOPES DE SEGURA - POUCAS HISTÓRIAS E UMA LENDA.


FOTO 35.
RUY LOPES DE SEGURA.

Ao longo da História Antiga do Xadrez houve uma infinidade de disputas para ver quem ostentaria o reconhecimento de campeão do mundo, situação que só foi resolvida em 1886 quando se reconheceu oficialmente o título de Wilhelm Steinitz depois de vencer Zukertort no duelo mais emocionante da época.

Antes disso, existiram campeões “oficiosos”. O primeiro dessa lista foi o espanhol Ruy López de Segura (figura ao lado), nos idos de 1570.
Ruy López era um frei espanhol, nascido em Zafra, em 1530. Pouco se sabe sobre sua vida, mas tudo que se tem conhecimento é relacionado às disputas de xadrez.
A biografia enxadrística começa em 1560, quando viajou a Roma e virou celebridade após derrotar os melhores jogadores italianos, entre eles o jovem Leonardo da Cutri. Lá, conheceu o livro do português Pedro Damiano e criticou duramente o trabalho. Por isso decidiu melhorá-lo.

PRINCÍPIOS DA TEORIA MODERNA

Assim, em 1561, publicou o “Livro da invenção liberal e arte do xadrez”, onde descreveu e numerou, pela primeira vez com alguma profundidade, algumas famosas aberturas que serviram de base à teoria moderna. Até hoje constam nos repertórios de praticamente todos os enxadristas. Por exemplo, lá estavam Giuocco Piano, Gambito do Rei, Holandesa, de fianchetto de Rei e de Dama (ainda não se falavam “Índias”), além, é claro, da que eternizou seu nome: a Abertura Espanhola ou Ruy López (1 e4 e5 2 Cf3 Cc6 3 Bb5), que era a número 9.

Vamos agora ver como Ruy López descreve os lances da abertura 1 do seu livro:
“quando as brancas jogam em primeiro lugar (nesta época não era obrigatório serem as brancas a efetuar o primeiro lance) avançam o peão de rei à quarta casa (1.e4), se as negras jogarem o peão de rei à quarta (1... e5) as brancas jogarão o peão de bispo da dama uma casa (2.c3), se as negras jogarem o cavalo de rei para a terceira fila do bispo para tomar o peão (2... Cf6) as brancas jogarão... etc. Isto dá-nos uma ideia da enorme dificuldade que existia na época para por no papel toda e qualquer criação teórica sobre xadrez.

No entanto, o livro não se limitava a ensinar aberturas. Também trazia alguns conselhos nada religiosos do frei Ruy, afinal a Fide não estava por lá para exigir fair play. Dentre as pérolas sugeridas, aconselhava “ao jogar com dia claro, procure fazer que o inimigo tenha o sol na cara”, “à noite, posicione o lume próximo à mão direita do adversário para que lhe turve a vista e a mão faça sombra quando move, de modo que não veja bem as peças”, “deixe para jogar logo depois que seu rival tenha comido e bebido em abundância e aproveite seu estado de sonolência para vencê-lo”, ...


PRIMEIRO SUPERTORNEIO.


No fim de 1574, na corte do rei Felipe II, aconteceu a primeira competição internacional de xadrez documentada. Participaram 2 italianos (Leonardo da Cutri e Paolo Boi) e 2 espanhóis (Alfonso Cerón e Ruy López). Desta vez, o frei venceu apenas seu compatriota, e saiu vencedor o italiano Leonardo, recebendo como prêmio 4000 ducados, uma capa de arminho e 20 anos(!) de isenção de impostos para sua cidade natal, Cutri.

Ruy López faleceu em 1580. Porém, seu nome está gravado para sempre na história do xadrez.

PARTIDAS

A seguir reproduzimos duas partidas dele, além de uma com a abertura que levou seu nome.

Ruy López – Leonardo da Cutri
Roma 1560
Gambito de Rei

1.e4 e5 2.f4 d6 3.Bc4 c6 4.Cf3 Bg4 (Cf6) 5.fxe5 dxe5? (d5)


FOTO 36.
DIAGRAMA 8.

6.Bxf7+ Rxf7 7.Cxe5+ Re8 8.Dxg4 Cf6 9.De6+ De7 10.Dc8+ Dd8 11.Dxd8+ Rxd8 12.Cf7+ 1-0

Ruy López - N.N.
Madrid 1572
Gambito de Rei

1.e4 e5 2.f4 Cf6 3.Cc3 exf4 4.d4 Bb4 5.Bd3 De7 6.De2 Cc6 7.Cf3 g5 8.d5 Ce5 9.Cxg5 Cxd5 10.exd5 Dxg5 11.g3

FOTO 37.
DIAGRAMA 9.

Rd8 12.Bxf4 Cxd3+ 13.Dxd3 Te8+ 14.Rd2 Dg6 15.Tae1 Dxd3+ 16.Rxd3 Be7 17.Txe7 Txe7 18.Bg5 Re8 19.Bxe7 Rxe7 20.Te1+ 1-0

G. Kasparov – V. Anand
New York 1995
6ª partida do match pelo título mundial da PCA
Abertura Ruy López

1.e4 e5 2.Cf3 Cf6 3.Bb5 a6 4.Ba4 Cf6 5.0-0 Cxe4 6.d4 b5 7.Bb3 d5 8.dxe5 Be6 9.Cbd2 Cc5 10.c3 d4


FOTO 38.
DIAGRAMA 10.

11.Cg5 dxc3 12.Cxe6 fxe6 13.bxc3 Dd3 14.Cf3 0-0-0 15.De1 Cxb3 16.axb3 Rb7 17.Be3 Be7 18.Bg5! h6 19.Bxe7 Cxe7 20.Cd4 Txd4 21.cxd4 Dxb3 22.De3 Dxe3 23.fxe3 Cd5 24.Rf2 Rb6 25.Re2 a5 26.Tf7 a4 27.Rd2 c5 28.e4 ½-½

Esta última partida, entre o então campeão do mundo e o atual, demonstra a riqueza de detalhes e opções advindas da abertura que leva o nome de nosso “herói”. Por isso continua e continuará em voga, e nos boletins de partidas de campeonatos mundiais o nome Ruy López será por muitos anos consagrado. Seria um autêntico “caso de marketing” da idade moderna?


A LENDA

Ter vencido os melhores jogadores de sua época valeu a Ruy um alto reconhecimento em seu país e lhe abriu as portas para a corte de Felipe II, de quem se fez professor e amigo íntimo, e por quem foi condecorado com um colar de Ouro do qual pendia uma torre de xadrez no mesmo metal. Conta-se uma história (ou estória) muito interessante sobre seus dias no palácio El Escorial.

Certa tarde em que Ruy López ministrava aulas ao rei, um súdito veio entregar uma mensagem urgente a Sua Majestade porque um condenado à morte, fazendo valer sua condição de nobre, exigia a presença de um bispo para lhe dar a extrema-unção. O problema era que os dois bispos das cidades mais próximas haviam falecido por aqueles dias.

Felipe II nem titubeou, pôs a mão sobre a cabeça do enxadrista e disse “a partir deste momento te nomeio bispo de Zamora e te ordeno que socorre o réu”.

Rapidamente nosso frei, agora ministro católico, se dirigiu às catacumbas. Porém, com muito pesar, descobriu que o detento era seu velho amigo, o Duque de Medina-Sidônia, que foi preso acusado de conspiração. Enquanto conversavam, surgiu a idéia de jogarem uma “partidinha” enquanto esperavam a hora do sacrifício do duque. No tabuleiro se deu uma luta encarniçada entre os contendentes. Quando os sinos bateram 3 da tarde, hora marcada para a execução, o condenado se revoltou: “de nenhuma maneira interromperão esta partida; ninguém entrará nesta cela até que um dos dois consiga dar xeque-mate!” Em meados da noite o duque, quase num último gesto de vida, conseguiu uma posição vencedora, momento em que Ruy López reconheceu a derrota.

Enquanto isso, o rei Felipe II, despachando em seu trono sobre condenações, encontrou uma lista em que aparecia adulterado o nome do Duque de Medina-Sidônia, a quem considerava um súdito leal, e imediatamente ordenou que se verificasse se havia sido feita uma injustiça. Para surpresa do rei, o duque ainda estava vivo, graças à demora que o novo bispo de Zamora teve para obedecer sua ordem. Assim, o xadrez impediu que se tirasse a vida de um inocente.

Acredite... se quiser!


PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://calleroschess.blogspot.com/2009/03/ruy-lopez-de-segura-poucas-historias-e.html